Assim


Meu pai....
Homem sábio.
Dizem os mais espiritualistas que era um espírito antigo.
Nem sei...Não sei no que acreditar, em que acreditar.
Não se metia em confusão: Nunca.
Mesmo com toda ela em volta.
-Nunca dê" pitaco", minha filha- mesmo quando pedido, no final a gente é quem se" arromba"!
Sempre tranquilo, mesmo quando "apurrinhado", não perdia a oportunidade de brincar e "adivinhar"ou antever nossos passos.
A insensatez dos seus..."Conheço meus paroquianos!"
E tranquilamente, com seu copinho de whisky- dizia ele ter nascido com duas doses a menos mas que o tempo tinha aumentado essas doses - fumando seu cigarrinho da marca "Charm"( nunca mudou de marca assim como também jamais deixou de usar Brutt, desodorante com o qual viajou pela última vez. Era um homem fiel. Sempre foi, principalmente a seus princípios que eram dígnos e retos.
Naquela mesa redonda na varanda onde congregava toda vida, qualquer uma, observava o mundo com certa condescendência e recebia a todos com a mesma simplicidade e gentileza. Gentil como ele, gentil da maneira dele. Homem largo como nunca vi outro igual. Achava lindo os colibrís que vinham- eram dois- toda tarde beijar as flores do jardim, bem pertinho da mesinha onde ríamos, ríamos, ríamos.
"Seu" Raimundo  - fazia aniversário no mesmo mês e quase da mesma idade - trabalhava lá em casa há anos, sei lá quantos, a vida toda talvez - jardineiro , companheiro, amigo, muito amigo e "compadre" dizia em dia de eleição:
- Doutor, em quem a gente vai votar hoje?
Engraçado lembrar disso agora...
Ele nunca dizia seu voto- mesmo que soubéssemos ou supuséssemos. 
Seu Raimundo sabia disso mas nunca deixava de perguntar- a cada nova eleição...
Este ano , Seu Raimundo, não vai perguntar.
Mas de qualquer forma ele não diria, né?
E foi, sim, "fogo na roupa" ver o Seu Raimundo chegar com toda a família- do filho mais novo ao mais velho- prestar a última homenagem a seu parceiro e amigo.
Engasguei, confesso. Já estava engasgada, estávamos todos mas nesse dias ...É estranho...Tão imenso que por assim ser é inacreditável. É ele ali mas parece outro ele. Somos nós aqui mas parecemos outras pessoas além de nós embora sabendo-nos de forma distônica.
De toda forma eu, nós, eramos só dor.
Dignidade. A tal da dignidade. 
Acredito que a mantivemos.
Depois...
Não foi nada difícil desabar. 
E o Seu Raimundo... Pois é... Seu Raimundo, era- é - orgulhoso. Saiu de casa, brigou com a mulher e foi morar no fundo de sua própria casa num quartinho construído no fundo de seu próprio quintal. Há mais de um ano não falava com Dona Graça.. Há mais de um ano mal se cumprimentavam, mal diziam olá.
Naquele dia  Seu Raimundo fez as pazes com Dona Graça. E vieram - a família toda dar o último adeus ao "cumpade". Estão bem até hoje, Seu Raimundo e Dona Graça.
Era assim meu pai. Pura harmonia. 
Paz.
Era sensato, muito sensato.
E bom. Não brigava com ninguém.
Mesmo quando não gostava de alguém quando quando este alguém o havia magoado fundo.
ele se calava. Não retrucava, não xingava.
Um dia me confidenciou:
"Ninguém sabe de quem eu gosto, minha filha, mas as pessoas que eu não gosto, sabem..."
Eu não sei ...Como diz Quintana, apenas desconfio.

Assim era meu pai.

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